11 de setembro de 2012

Tudo virou bullyng



Parafraseando Rita Lee, e para não ficar grosseiro, digo: tudo virou bullyng!
Bullyng é um termo americano que se refere às atitudes agressivas e preconceituosas, verbais ou não, cujo objetivo é ofender, menosprezar e agredir pessoas sem possibilidade de defesa.
Recentemente, saiu no jornal uma matéria sobre o possível preconceito nos significados da palavra cigano apresentados no dicionário Houaiss. A matéria, publicada na Folha de São Paulo, informa os termos considerados pela Procuradoria como preconceituosos: “aquele que faz barganha”, “esperto ao negociar”, “apegado ao dinheiro, agiota, sovina”.
Mas vamos ser honestos, porque esses significados estão no dicionário? Não seria porque alguém os atribuiu? Então não acredito que a solução – se é que existe uma solução – seja culpar o dicionário. A culpa é do povo, é minha, é sua, é nossa. O preconceito não está nos termos apresentados pelo dicionário, e sim na maneira como utilizamos esses termos e na história que originou esses significados.
Quando penso em ciganos, muitos significados e imagens surgem na minha mente. Primeiramente, penso na dança sensual, nos vestidos floridos e das flores vermelhas nos cabelos; penso na música ritmada e nas mãos ao alto, batendo palmas; penso no sapateado dos homens e nos dentes de ouro, que, em algum momento da história, tiveram um significado belo e vitorioso. Além disso, lembro da minha infância, onde me foi incutido o medo dos ciganos e suas leituras de mãos, fantasias e outras coisas do além ligadas à sua figura, desde os tempos mais remotos.
É claro que esse texto não tem a intenção de discorrer sobre história cigana, muito menos defender uma cultura da qual pouco conheço. Mas julgo necessário basear minhas considerações sobre esse caso na história desse povo, que, injustamente, sofreu e ainda sofre preconceito e discriminação por conta de seus hábitos e modo de viver.
O preconceito ao qual se refere a Procuradoria de MG, faz parte da história dos ciganos desde o começo dos anos 40, onde deu-se início às perseguições ao povo cigano pelos alemães. Castigados pelos costumes e hábitos que seguiam, as perseguições aos ciganos tornaram-se frequentes e disseminou-se pelo mundo o preconceito, o medo e a ignorância perante eles.
A origem desse preconceito está relacionada, possivelmente, com as profissões exercidas pelos ciganos, que são divididas, basicamente, em três: cantores e dançarinos (diversão), adivinhos e cartomantes (morte e fantasia) e ferreiros (sujeira, podridão). Em torno dessas profissões, lendas e mitos foram criadas, relacionando os ciganos com bruxaria, morte e outros termos como ladrão, enganador, vendedor de “muambas”, mentiroso, etc.
Atualmente, a população de origem cigana está presente em todo o mundo. Algumas tribos ainda mantêm os mesmos costumes, presentes no modo de vestir, falar, nas comemorações, e nos acampamentos, onde firmam morada por alguns meses, até partir para outro lugar. Outros ciganos vivem da leitura de mãos, cartas e também da venda de utensílios domésticos e acessórios. Ambos, porém, perderam traços característicos de sua cultura. E, em grande parte, isso ocorreu por conta do preconceito que sofreram e sofrem.
Depois desse esboço histórico, voltemos ao dicionário. E refaço a pergunta do início desse texto: porque esses significados estão no dicionário? Ora bolas, porque fazem parte do vocabulário do povo, são utilizados por nós quando nos referimos aos ciganos, e são, na maioria das vezes, fruto da ignorância e da falta de respeito diante do diferente, do estranho, do incomum.
Então meus caros, não culpemos o Houaiss, que não é dono do mundo, não dita regras e não rege pensamentos e muito menos ações humanas. É apenas um dicionário, que  cumpre seu papel de apresentar os diversos significados das palavras.
Sugiro, então, que paremos de procurar piolho em cabeça de prego, e foquemos no que realmente importa: o respeito e a aceitação do outro, do diferente. É como escreve Sírio Possenti sobre o caso: “Circulam estereótipos de corintianos, de argentinos, de ingleses, de portugueses. E de ciganos. Que podem ou devem ser combatidos, mas nas arenas adequadas. A censura a um dicionário certamente não é uma delas, dada a natureza da obra.”
Atualmente, vivemos uma fase onde tudo é considerado ofensivo e desrespeitoso, é tudo bullyng! E trabalha-se em cima disso; ao invés de conscientização com foco no respeito ao próximo e interesse pelas diferentes culturas, as escolas trabalham com exemplos medonhos do que consideram bullyng; as mídias investem em programas e matérias sensacionalistas sobre o assunto; os psicológicos e psiquiatras lucram com o trauma resultante do bullyng; as editoras lançam livros ensinando os pais a ensinarem seus filhos formas de se defender do bullyng; e as pessoas pensam mais antes de falar. E o governo? Ameaça proibir o uso de obras literárias de extrema importância nas escolas; proíbe o uso de livros didáticos que apresentam, além da norma culta, as diferentes variantes da língua; ameaça a integridade do dicionário, ferramenta de conhecimento e trabalho, que está simplesmente cumprindo seu papel de dicionário...!
E por ser mais frágil e facilmente resolúvel, e como a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e - no caso - mais viável (e fácil), ainda leremos algumas bobagens do tipo: “O Ministério Público Federal recomendou às editoras que mudassem o verbete” (UOL) e, graças ao bom senso, leremos respostas do tipo "Fazê-lo seria varrer para debaixo do tapete o que nos envergonha, mas isso não serve de ação preventiva nem eliminadora do mal." (Instituto Antônio Houaiss). Então, fim de papo: o Houaiss permanece! Abaixo a censura, o preconceito e a ignorância!

http://jovempan.uol.com.br/noticias/brasil/2012/02/cigano-polemica-pode-afetar-dicionario-houaiss.html

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1054519-procuradoria-ve-preconceito-em-termo-usado-no-dicionario-houaiss.shtml

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5652820-EI8425,00-Limpar+livros+Nota+sobre+dicionarios.html 

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