27 de agosto de 2010

Tangerine Girl - A descoberta de um coração dentro do peito

** Para entender melhor o que estou falando, leia o conto "Tangerine Girl" aqui: http://www.releituras.com/racheldequeiroz_tangerine.asp


O conto Tangerine Girl, assim como a maioria das obras de Rachel de Queiroz, tem como cenário o sertão cearense, e essa é uma das principais características de suas obras: a valorização do ambiente regional, os aspectos sociais daquela realidade.
Já no primeiro parágrafo, o narrador cita o dirigível e a fascinação da menina por aquele “prodígio mecânico”, para ela, o dirigível era algo surreal, intocável, quase divino. Até o nome Blimp lhe soava mágico, assim como sua cor prata, dando a impressão de que era uma jóia, voando bem acima de sua casa, de uma beleza que ela podia visualizar todos os dias gratuitamente. A “garagem” dos dirigíveis e a base aérea dos soldados ficava a poucos metros de sua casa, mesmo assim, cada vez que via o dirigível, a menina ficava fascinada, por ser algo muito fora de sua realidade, pois, mesmo não dando muitas informações a respeito da vida da menina, ao decorrer do conto, podemos constatar que se trata de uma família classe média baixa, que moram afastados da cidade, num sítio, com um “jardim rústico” onde “não havia rosas importantes nem flores caras”.
Como vemos no segundo parágrafo, onde o narrador afirma que para a menina, as cabecinhas que eventualmente via nas janelinhas do dirigível, “eram tão minúsculas que não davam impressão de realidade”.
No terceiro parágrafo, ocorre o primeiro contato da menina com a tripulação da nave. Um navegador a vê lá embaixo, distinta pelo cabelo ruivo entre as folhas verdes das laranjeiras, sacudindo a toalha ao vento, e vê naquele gesto, alegria, conforto. Trata-se da solidão daqueles homens, que vivem trancados num dirigível, apenas a ver quem passa abaixo deles, sem nunca serem notados. E talvez uma das frases mais bonitas do conto é dita aqui “...quão distantes uns dos outros vivem os homens, quão indiferentes passam entre si, cada um trancado na sua vida.” A vida do soldado americano, naquela nave, sentindo a liberdade daquela menina abaixo dele. E ela, na sua vida caseira, livre, sentindo a liberdade daquele soldado, voando entre as nuvens, conquistando o céu.
Agradecido por aquele gesto, o navegante “deixa cair” da nave uma caneca de gesso pesada com as letras U.S. Navy gravadas. É nesse momento que um equívoco de comunicação ocorre. Primeiramente pensando que poderia ser uma brincadeira de mau gosto dos tripulantes e depois tendo “uma confusa intuição do impulso que a mandara” , a menina recolheu a caneca. O soldado americano atirara a caneca, como forma de agradecimento por aquele sentimento bom que ela o despertou, e a menina a recolheu, imaginando sabe-se lá o que. Instala-se então, no coração da menina, um amor platônico. Tinha certeza de que o dirigível ia embora com saudades, e o navegante, resquícios de doçura levava consigo.
Esse rito repetiu-se durante os dias que se seguiram. O Blimp sobrevoava a casa da menina, que esperava imóvel e fascinada, e lhe caíam presentes dos mais variados tipos, mas a caneca era sua preferida. A menina se dedica a aprender inglês, pois no seu sonho, ela e seu aeronauta americano vão se encontrar e ele lhe dirá frases lindas no ouvido. No seu sonho, o soldado ainda não tem rosto, por isso ela lhe atribui os mais belos rostos do cinema, pois só conseguia distinguir a sombra do soldado dentro do dirigível.
A menina do laranjal vira tradição entre os soldados, que a apelidam de Tangerine Girl, pelos cabelos dourados, ou pelo pomar ao redor da casa. Nesse parágrafo o leitor percebe o quanto desinteressados eram aqueles homens, saiam com as mocinhas da cidade, alguns voltavam para suas casas, mas o primeiro navegante a acenas para a menina, nunca mais havia sido o mesmo. Todos os soldados compartilhavam do amor de Tangerine Girl, que na sua inocência, acreditava ser sempre o mesmo tripulante.
Os rapazes mandaram um bilhete a ela, escrito na capa de uma revista. Ao receber, a menina compreendeu que se tratava de um convite, para uma festa. Percebe-se o nível de ilusão da menina, quando ela pensa que as últimas letras do bilhete P.M., poderiam ser as iniciais do nome do seu amado, e a decepção ao lembrar que significavam apenas depois do meio dia.
Aceitou o convite, saberia finalmente qual o semblante de seu príncipe, ouviria finalmente as frases ditas em língua estrangeira ao pé do ouvido, daria continuação àquele conto de fadas.
No décimo segundo parágrafo, percebe-se a ingenuidade da menina, que não pretende ir à festa, mas apenas conversar com o soldado, trocar algumas palavras. Vestida, ouve passos na estrada, e vê que não vinha apenas o seu marinheiro, mas muitos deles. E compreendeu tudo. Não havia um só soldado, não havia mais sequer o Blimp, que mudara totalmente para ela. Deixou de ser um modelo de beleza e fascinação, para se tornar motivo de dor e choro. Os rapazes foram de apresentando um a um, e quando um deles ofereceu-lhe o braço, a menina fugiu, pois não era como as meninas da cidade que namoravam marinheiros, não era o que eles pensavam que fosse, era apenas uma menina que acreditara numa ilusão, que criara uma ilusão, e que precisou voltar à realidade bruscamente.
Os rapazes não entenderam, e ninguém soube que a menina chorou lágrimas amargas ao chegar em casa, por saber ter sido enganada, não por eles, mas por ela mesma. Viu seu sonho vir abaixo, viu o quanto inocente havia sido, e viu seu primeiro grande amor continuar sem rosto, sem semblante e sem voz.
Os presentes continuaram a cair durante alguns dias, mas nunca mais viram a menina no laranjal.