30 de julho de 2011

Trecho do fabuloso emocionante visceral BLECAUTE de Marcelo Rubens Paiva

Não fico mais aflito por saber que nada sei. O que é? De quê? De onde veio? São perguntas cujas respostas não me interessam. O tempo não precisa ser medido; essa frase tem ficado muito tempo na minha cabeça. Não existe diferença entre verdade e mentira, nem a possibilidade de encontrar o bem e o mal; não sei por que catso comecei a pensar nisso. Há muito não dou uma risada, nem choro. As palavras não significam nada. Meu corpo se curvou para a frente, desiludido. Não consigo entender o sentido da minha vida. Não consigo entender nada. E isso não me comove mais. Os homens fizeram a sua própria história, mas não imaginaram onde iriam desembocar. No princípio, o Céu e a Terra eram fenômenos divinos; e só. Em seguida, a Razão, a Ciência encontraram teorias que os definissem. A luta da humanidade era explicar o inexplicável. Hoje... meu corpo se curvou para a frente, desiludido. Dane-se! Me lembro de uma música que falava "Tudo, tudo, tudo vai dar certo..." e acho engraçado. Nada deu certo. Já me falaram de uma nova Era. Já me falaram do universo em expansão. Mas nada deu certo. Nada.

22 de julho de 2011

Psicologia de um vencido - Augusto dos Anjos

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
-
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
-
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
-
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

10 de julho de 2011

Sem rodapés - Carlos Henrique Schroeder

Como se a vida fosse isso, uma passagem de ônibus sem volta. Uma solidão, não num campo de algodão: num estábulo, onde todos os belos cavalos sorriem, e querem não aquilo que você tem, mas o que almeja.
Um doce beijo, o resfolegar de seu hálito, ou qualquer coisa dentro doida, essas coisas que só gente louca, como você e eu, entende, esse espaço, isso, espaço, entre uma vírgula e outra, entre o texto e o subtexto, entre a boceta e o pau, isso, o espaço, o mundo é feito de espaços, o seu, o meu, nosso, a literatura é feita de espaços. Chega de repetição.
Espaços. Ex-paços.
Um rodapé é um buraco na memória, o gozo antecipado. Um blefe de truco. Não importa, é um rodapé.

Extraído do livro As certezas e as palavras

6 de julho de 2011

Há um excesso de mesas e cadeiras e uma falta deliberada de espaço, um bar projetado para anões, talvez. Um certo prazer em viver amontoado, em cultivar lugares espremidos, em respirar ares viciados, em fumar a fumaça alheia, provavelmente compensação noturna ao espírito arredio, solitário, intratável do curitibano. Aqui se obrigam ao esbarrão, às cotoveladas, aos encontros involuntários à proximidade inevitável com a desculpa do pouco espaço. Sinto uma felicidade de artifício no ambiente, que explode em risadas excessivas, loquacidade, chope derramado, arrastar de cadeiras e aqui e ali um rosto trágico, envolto num estudado sopro de fumaça.

Uma conclusão filosófica. Em Curitiba, minha doce Curitiba, todos querem falar e todos se arrependem de falar.


Cristovão Tezza in Trapo

4 de julho de 2011

Let's Rock

Mário Quintana, há alguns anos atrás, publicava um livro chamado "Velório sem defunto". Em uma de suas páginas, encontrei o seguinte:
"O rock é o desespero,
Como se eles estivessem não apenas no fim de um século
Mas no fim do mundo e, por isso,
Berram em vez de cantar,
Pulam em vez de dançar,
Estupram-se em vez de simplesmente se amarem...
E fazem de tudo, tudo,
No seu suicídio coletivo!"
Obrigada, Quintana. Melhor definição que a sua para o velho rock'n roll ainda não foi criada. Sou mulher, tenho seios crescidos, meu órgão genital é interno e depilo pernas e bigode. Há quem diga que rock é um estilo musical masculino, concordo. E acho ótimo. Afinal, rockeiros são sempre muito atraentes.
Mas, penso que o rock está muito além de definições e rótulos, de gritarias, de suicídios. Para alguns, e isso me inclui, é uma filosofia (de vida?) (que exagero). Digo filosofia, porque, a partir do momento em que ele entra na sua vida, permanece, torna-se rotina. Não descartemos os tantos outros bons estilos musicais, pelo contrário. Cada qual merece respeito e tem seu valor. Mas p****, Rock'n Roll Forever! É sempre aquela loucura, aquele desapego, aquele chacoalhar de cabelos, aquele suor coletivo, aquela cerveja gelada e a técnica musical inconfundível e infalível dos músicos. É sempre aquele teatro, aquele agudo, aquelas vestes, aqueles saltos, aquelas maquiagens. É sempre uma doação.
O rock embalou minha infância, junto com a literatura. Em uma das mãos eu levava Alladin, na outra, uma fita surrada do Raul Seixas. As lições de casa eram feitas ao som de Raulzito.
Meu pai, um dia, me apresentou "Mosca na sopa". Não foi proposital, a intenção dele era apenas me mostrar uma música engraçada. Não o culpo por não entendê-la, afinal ele não é nem um expert em música, e Deus me livre que fosse. Mas foi esse leigo musical, esse maluco beleza do interior do RS, que me mostrou o melhor da música. A sua favorita diz o seguinte: "eu perdi o meu medo da chuva, pois a chuva voltando pra terra traz coisas do ar." Pai, falhei nos teus ensinamentos e não perdi o medo da chuva. Mas Raul Seixas é tatuagem no meu corpo. Graças a ti.
Hoje, com 19 redondos anos, o rock é o que me leva... rock clássico de manhã cedinho à caminho do trabalho. Um mais pesadinho aí pelas 10 horas da manhã. E um rockinho choroso as 10:30h da noite à caminho de casa. Iron Maiden para as faxinas aos sábados. Black Sabbath para passar roupa nos domingos. E aquela sensação de que a vida poderia ser só isso: uma melodia perfeita, sem erros, com alguns acordes surpresa. Uma poesia de Neruda, apaixonada. Um suicídio à lá Elvis... "let's rock, everybody, let's rock, was dancin' to the jailhouse rock!" LET'S ROCK!

Literatura das ruas - Sérgio Vaz

A literatura é dama triste que atravessa a rua sem olhar para os pedintes, famintos por conhecimento, que se amontoam nas calçadas frias da senzala moderna chamada periferia. Frequenta os casarões, bibliotecas inacessíveis ao olho nu e prateleiras de livrarias que crianças não alcançam com os pés descalços.


Dentro do livro ou sob o cárcere do privilégio, ela se deita com Victor Hugo, mas não com os Miseráveis. Beija a boca de Dante, mas não desce até o Inferno. Faz sexo com Cervantes e ri da cara do Quixote. É triste, mas A rosa do povo não floresce no jardim plantado por Drummond.
Quanto a nós, Capitães da areia e amados por Jorge, não restou outra alternativa a não ser criar o nosso próprio espaço para a morada da poesia. Assim nasceu o sarau da Cooperifa.
Nasceu da mesma Emergência de Mario Quintana e antes que todos fossem embora pra Pasárgada, transformamos o boteco do Zé Batidão num grande centro cultural.
Agora, todas às quartas-feiras, guerreiros e guerreiras de todos os lados e de todas as quebradas vêm comungar o pão da sabedoria, que é repartido em partes iguais, entre velhos e novos poetas, sob a benção da comunidade.
Professores, metalúrgicos, donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados, mecânicos, estudantes, jornalistas, advogados, entre outros, exercem a sua cidadania através da poesia.
Muita gente que nunca havia lido um livro, nunca tinha assistido a uma peça de teatro, ou que nunca tinha feito um poema, começou, a partir desse instante, a se interessar por arte e cultura.
O sarau da Cooperifa é nosso quilombo cultural.
A bússola que guia a nossa nau pela selva escura da mediocridade.
Somos o grito de um povo que se recusa a andar de cabeça baixa e se prostrar de joelhos.
Somos O poema sujo de Ferreira Gullar.
Somos o Rastilho da pólvora.
Somos Um punhado de ossos de Ivan Junqueira. Tecendo a manhã de João Cabral de Melo Neto.
Neste instante, neste país cheio de Machados se achando serra elétrica, nós somos a poesia: essa árvore de raízes profundas regada com a água que o povo lava o rosto depois do trabalho.

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