23 de outubro de 2011

Aquilo - Ricardo Azevedo

Quando aquilo apareceu na cidade, teve gente que levou um susto.
Teve gente que caiu na risada.
Teve gente que tremeu de medo.
E gente que achou uma delícia.
E gente arrancando os cabelos.
E gente soltando rojões.
E gente mordendo a língua, perdendo o sono, gritando viva, roendo as unhas, batendo palma, fugindo apavorada e ainda gente ficando muito, muito, muito feliz.
Uns tinham certeza de que aquilo não podia ser de jeito nenhum.
Outros também tinham certeza. Disseram: - Viva! Que bom! Até que enfim!
Muitos ficaram preocupados. Exigiram que aquilo fosse proibido. Garantiram que aquilo era impossível. Que aquilo era errado. Que aquilo podia ser muito perigoso.
Outros, tranquilos, festejaram, deram risada, comemoraram e, abraçados, saíram pelas ruas, cantando e dançando felizes da vida.
Alguns, inconformados, resolveram perseguir aquilo. Disseram que aquilo não valia nada. Disseram que era preciso acabar logo com aquilo ou, pelo menos, pegar e mandar aquilo para bem longe.
Muitos defenderam e elogiaram aquilo. Juraram que aquilo era bom. Que aquilo ia ser melhor para todos. Que esperavam aquilo faz tempo. Que aquilo era importante, bonito e precioso.
Alguém decidiu acabar com aquilo de qualquer jeito.
Mas outro alguém disse não! E foi correndo esconder aquilo devagarinho no fundo do coração.

20 de outubro de 2011


O meu amor tem um jeito manso que é só seu...

16 de outubro de 2011

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três...
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock para as matinês.

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz.
E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país.

Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido.
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
O tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido.

Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim.
Pois você sumiu no mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim.

João e Maria - Chico Buarque

9 de outubro de 2011

- Por que a lua não se distancia da terra?
- Porque já é distante o bastante.

- Qual o olho que vê melhor?
- O do cíclope.

- Como vai?
- A pé.

- A civilização ocidental deve abrir os olhos para o Oriente?
- Abrir os olhos.

- O que faz o céu?
- Voa.
- E a ave?
- Povoa.

- Deus existe?
- Eu também.

- Qual o ser mais puro?
- O mineral.

- Qual o ser mais puro?
- O que não fala.

- Porque o homem pensa?
- Por falta de disciplina.

- Os fatos que ninguém viu aconteceram?
- Ponho fé.

- Qual o ser mais puro?
- Bambi.

- Quando você vai voltar pra casa?
- Lá pelas onze.

- O que não cabe na cabeça?
- A cabeça.

- Gosta de leite?
- Só com nescau.

- Como assim disciplina?
- Com dois esses.

- Você pertence a alguma religião?
- De uma outra religião.

- Como tem passado?
- Parado.

- Por que suas respostas são sempre mais curtas que minhas perguntas?
- Porque sim.

- O que acha da televisão?
- Deve ser vista sem o som.

- Qual o caminho?
- O certo.

- A cabeça cabe na cabeça?
- À beça.

- Quando surgiram?
- Há pouco.

- Qual o comprimento do corno do diabo?
- Só Deus sabe.

- Quando uma mulher te diz não?
- Quando ela tem razão.

- Qual o olho que vê melhor?
- O que não duvida.
- Por que o céu não cai sobre as nossas cabeças?
- Porque o druída existe.

- Quais foram as duas últimas palavras do mestre Hiang Ching antes de morrer?
- Ainda não.

- Mais alguma coisa?
- Sim.

Arnaldo Antunes in PSIA

2 de outubro de 2011


Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz...

Chico Buarque