26 de maio de 2011

Aí pelas três da tarde - Raduan Nassar

Nesta sala atulhada de mesas, máquinas a papéis, onde invejáveis escreventes dividiram entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares à sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo "ciao" ao trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora tão insólita, os que estiverem em casa ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o pudor (o seu pudor, bem entendido), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome depois com sua nudez no trampolim do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobrem a boca com a mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a mesma cara de louco ainda não precipitado), e se achegue depois, com cuidado e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não importa em que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.


Conto extraído do livro Menina a caminho.

24 de maio de 2011

O amor acaba - PAULO MENDES CAMPOS

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Texto extraído do livro "O amor acaba", Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1999, pág. 21, organização e apresentação de Flávio Pinheiro.

18 de maio de 2011

Paiol Literário: JOÃO UBALDO RIBEIRO



Na última sexta-feira, dia 13, teve início no Teatro Paiol a sexta edição do projeto Paiol Literário.  Contando com a presença de escritores dos mais diversos tipos, o projeto já entrevistou mais de 43 escritores.
O baiano João Ubaldo Ribeiro foi o autor escolhido para inaugurar a nova edição.
Casa cheia, fãs, admiradores e leitores assíduos de sua obra. O espetáculo não podia ser melhor. As oito horas em ponto, surge João Ubaldo e acomoda-se numa poltrona confortável, coloca seu casaco de lã sobre a perna e abre um sorriso calmo. Suas primeiras palavras foram: boa noite. Ditas com uma voz grossa, à primeira vista, até assustadora.
É necessário que se abra um parêntese nesse momento: como leitora de suas crônicas, amante de seus livros e discreta fã, esperava encontrar naquela noite fria, um escritor como os outros, pelo menos ‘semelhante’. Sabe do que falo? Aqueles escritores cuja inspiração é quase divina. Aqueles escritores que têm a literatura como fuga, refúgio. Todo esse lirismo que, definitivamente, só existia na minha cabeça tola. Continuemos...
Entre perguntas sobre a importância da literatura e sua carreira de escritor, João Ubaldo se mostrava um homem com um senso de humor incomum, e com uma visão muito clara e crítica de tudo. Para ele, a literatura não deve ser vista como uma utilidade, pois é uma arte, e a arte não é uma utilidade. A literatura é uma importante forma de conhecimento e de maturação da língua.
Escritor consagrado e membro da Academia Brasileira de Letras, João Ubaldo Ribeiro alia simplicidade com uma escrita refinada, corretíssima e cuidadosa. Como leitora, percebo que ele cuida da língua portuguesa, escreve para ela. Parece-me também, que sua inteligência transcende a própria literatura e não cabe dentro dele. O homem emana inteligência, histórias e simplicidade.
Sobre seu início na literatura, contou que sua casa era uma biblioteca. Livros espalhados por todos os cômodos, sala, cozinha e até no banheiro. Desde cedo os livros o atraíram. Primeiramente, pelas gravuras e depois pelas histórias em si. Seu pai, também amante dos livros, não admitia que um filho com seis anos de idade não soubesse ler. Por isso, sempre lera de tudo, mesmo não entendendo absolutamente nada. Leu Hamlet, Dom Quixote e Monteiro Lobato.
O escritor arrancou risos da platéia ao dizer que é difícil aliar o trabalho de escritor com qualquer coisa. Pois escrever requer concentração, prática. Quando o autor entra no universo ficcional que criou, fica muito difícil sair de dentro dele. Hoje em dia, adota a técnica de alguns outros escritores, escrevendo tantas palavras por dia. Sua média de palavras fica em torno de 800. O melhor horário para essa produção é de manhã, quando acorda.
E, acredite se quiser, João Ubaldo disse ter a impressão de que ninguém o lê.
Quando questionado sobre o seu trabalho de escritor, disse que, quando está escrevendo, não pensa em nada. Sua única preocupação é ser claro, legível.
Auto-desprezo. Foi com essa palavra que o escritor definiu o povo brasileiro. Nosso povo tem intimidade com as histórias estrangeiras, escritores estrangeiros, mas brasileiros não. E isso, para ele, é não ter respeito por si próprio. Queremos ser americanos, queremos glamour! E essa ignorância é que contribui para o empobrecimento da língua. Seu pessimismo perante a humanidade é tamanho, que chega dizer que sempre fazemos as mesmas coisas, desde o tempo das cavernas. Por isso, no Brasil é tudo mais tardio, mais atrasado. João Ubaldo Ribeiro não tem fé na humanidade. Para ele, somos uma nação de analfabetos funcionais.
Além de escritor e tradutor, João Ubaldo é professor. Sobre isso, diz ter que fazer adaptações nas suas expectativas e tremendos esforços para poder aprovar algum aluno. A juventude perdeu sua voz, preserva-se a falta de fala.
Os jovens não lêem porque tem medo da leitura. Nas escolas, em vez de ensinar a ler, os professores ensinam a ter medo de ler. Os alunos lêem sob a tensão a de responder questões e escrever resumos após a leitura. Para João Ubaldo, o grande obstáculo na leitura dos clássicos da literatura, é justamente a apresentação desses clássicos como clássicos, difíceis, subjetivos. Ler é chato, dá trabalho. Mas as pessoas não vêem que a literatura é muito mais que isso, que o livro só fornece palavras, é o leitor quem age sobre ele. E essa é a grande beleza da literatura.
Alguns de seus livros foram adotados para vestibulares e, ao ler as questões sobre as obras, ele próprio não conseguiu responder...
Sobre as adaptações cinematográficas de algumas de suas obras, João Ubaldo disse que aceitou o convite apenas porque era feito por amigos. Nada do que está na tela é dele, não reconhece sua obra no filme.
Mesmo sendo um escritor consagrado, premiado e sim, muito lido, João Ubaldo afirma não ter uma intenção messiânica com sua literatura. Mas, afirma que, se as pessoas lessem mais, teríamos um país de gente mais sensível, de visão mais ampla, de mente aberta. Mas, não há uma motivação para que isso aconteça. Ninguém ganha prêmio por ler! Que ironia...
O encontro com João Ubaldo Ribeiro acabou entre aplausos e súplicas de quero mais. O que vi e ouvi, me fez repensar a maneira como vejo a literatura e o escritor em si. Foi como se João Ubaldo tivesse dito no meu ouvido: “Ana Paula, somos normais, como você.” E o mais bonito nisso tudo, foi a sensação de que sim, a literatura é a pura realidade (se é que existe uma) e que o escritor é tão real quanto suas palavras.
João Ubaldo Ribeiro é tão pungente, impressionante, tão visceral, que, voltando para casa após o encontro, não conseguia parar de pensar em suas palavras, no seu humor, ironia e naquela paciência tão típica dos baianos.
É um escritor, mas acima de tudo, um ser humano normal, simples na sua realeza. Um senhor, com seu casaco de lã sempre a postos, uma audição já não tão jovem quanto seu humor, e pés gelados sem meias, dentro de um sapato marrom claro. Lúcido, lúcido. Uma visão lúcida do mundo, da sua escrita, de si próprio. Uma lucidez encantadora.
Se tivéssemos a oportunidade de conhecer cada escritor que admiramos, certamente alguns conceitos e tabus seriam quebrados. Mas o amor pela literatura e pelas histórias é imutável.

“Os livros eram uma brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de criança vendo tanto que entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, de meu pai, de meus avós, do velho casarão mágico de Aracaju.” (João Ubaldo Ribeiro in Memória de Livros, crônica extraída do livro Um brasileiro em Berlim)

17 de maio de 2011

Geladeira de Solteiro - Fabrício Carpinejar

Lar de solteiro não significa que estará desarrumado, com pilha de louça para lavar e parte das lâmpadas queimadas. O que diferencia o apartamento de alguém que vive sozinho do espaço de casais e de agrupamentos familiares são os sachês da geladeira. Centenas de sachês de mostarda e catchup ocupando as fôrmas dos ovos.

É que nem a praga do requeijão: nunca percebemos o início da doença, são tantos potes misturados aos copos, que a cristaleira deveria ser renomeada de estande de frios.

O sachê é a multiplicação da miséria. Não há modo de enriquecer após sua passagem, levará qualquer um para a falência ou às barrinhas de cereais.

Ele não tem a humildade de um visitante. Já chega como um movimento armado, uma passeata, uma calcutá de sósias. Tanto que duvide de sachê desacompanhado, não existe isso, chame o batalhão de operações especiais, trata-se de uma bomba.

Em primeiro lugar, porque a quantidade de cada bisnaga é ridícula; necessária uma dúzia para cobrir dois reles pedaços de pizza. Em segundo, não há como abrir a embalagem, a linha pontilhada é uma ironia. O biquinho fechado incita a truculência de um torturador – dependemos de várias opções para salvar a metade do conteúdo de uma. E não é prático, sempre nos lambuzaremos ou sujaremos a roupa.

Sachê é uma droga que vicia. Rapidamente o usuário se transforma em traficante. Surgem dentro dos pedidos de telentrega e espalham seus tentáculos de alumínio plastificado pela cozinha.

Para evitar a decadência, aconselho a jogar fora o que não foi usado no almoço e na janta. Nunca guarde. Ao preservar um exemplar, terá a infeliz iniciativa de economizar com os pacotinhos. Pensará que não precisa comprar alguns mantimentos, diminuirá a lista do mercado, e partirá para caçar saquinhos de azeite, vinagre e shoyu nos restaurantes.

Acabou a paz. Não vai parar de colher envelopes das cestinhas das mesas. Os amigos irão se envergonhar de sua companhia. Assumirá uma condição compulsiva, de colecionador histérico, com os bolsos forrados e as bolsas transbordando. Não terá mais vida social quando desfalcar o sal do cinema e o açúcar dos cafés, e não poupar sequer o adoçante.

Só o impacto de um casamento poderá salvar o sujeito. Só o amor para regenerar um cleptomaníaco de amostras grátis.
Retirado de: http://carpinejar.blogspot.com/2011/05/geladeira-de-solteiro.html

16 de maio de 2011

 

Entre a serpente e a estrela - Zé Ramalho!

No centro do furacão - Caio Fernando Abreu

Vórtice, voragem, vertigem: qualquer abismo nas estrelas de papel brilhante no teto.
Queria tanto poder usar a palavra voragem. Poder não, não quero poder nenhum, queria saber. Saber não, não quero saber nada, queria conseguir. Conseguir também não — sem esforço, é como eu queria. Queria sentir, tão dentro, tão fundo que quando ela, a palavra, viesse à tona, desviaria da razão e evitaria o intelecto para corromper o ar com seu som perverso. A-racional, abismal. Não me basta escrevê-la — que estou escrevendo agora e sou capaz de encher pilhas de papel repetindo voragem voragem voragem voragem voragem voragem voragem sete vezes ao infinito até perder o sentido e nada mais significar — não é dessa forma que eu a desejo. Ah essa palavra de desgrenhados cabelos, enormes olhos e trêmulas mãos.  Melodramática palavra, de voz rouca igual à daquelas mulheres que, como dizia John Fante, só a adquirem depois de muitos conhaques e muitos cigarros. Eu quero sê-la, voragem.
Espio no dicionário seu significado oficial, tentativa inútil de exorcizar o encantamento maligno. O que leio, inquieta ainda mais: “Aquilo que sorve ou devora”. E vejo um redemoinho lamacento de areias movediças à superfície do qual uma única mão se crispa. Vórtice, penso, numa vertigem. Repito, hipnotizado: vertigem, vórtice, voragem. “Qualquer abismo” —continuo a ler. Os abismos de rosas, os abismos de urzes, e aqueles abismos à beira do qual duas crianças correm perigo, protegidas pelas asas do Anjo da Guarda. Os abismos de estrelas falsas no falso céu do teto do meu quarto, os abismos de beijos e desejos, o abismo onde se detém o rei daquela história zen para abrir o anel que lhe deu o monge, onde está guardado o condão capaz de salvá-lo — e o condão é a frase “isto também passará”. Sim, e leio então: “Tudo que subverte ou consome” — paixões, ideologias, ódios, feitiçarias, vocações, ilusões, morte e vida. Essas outras palavras de
maiúsculas implícitas —vorazes, voragem—, abismais.
Eu estava lá, no centro do furacão. E repito palavras que são e não são minhas enquanto o porteiro do edifício em frente toca violão e canta, e a chuva desaba outra vez, e peço: por favor, me socorre, me
socorre que hoje estou sentido e português, lusitano e melancólico. Me ajuda que hoje tenho certeza absoluta que já fui Pessoa ou Virginia Woolf em outras vidas, e filósofo em tupi-guarani, enganado pelos búzios, pelas cartas, pelos astros, pelas fadas. Me puxa para fora deste túnel, me mostra o caminho para baixo da quaresmeira em flor que eu quero encostar em seu tronco o lótus de mil pétalas do topo da minha cabeça tonta para sair de mim e respirar aliviado de por um instante não ser mais eu, que hoje e não me suporto nem me perdôo de ser como sou e não ter solução. Me ajuda, peço, quando Excalibur afunda sem volta no lago.
Ela se debruça sobre mim, me beija com sua grande boca vermelha movediça. Tenho medo mas abro minha boca para me perder.
Ela repete baixinho em meus ouvidos nomes cheios de sangue — Galizia, Ana Cristina, Júlio Barroso— enquanto contemplo o céu no teto do meu quarto, girando intergaláctico em direção a ER-8, a estrela de
bilhões de anos, o cadáver insepulto para sempre da estrela perdida nos confins do Universo. Choro sozinho no escuro, e você não enxuga as minhas lágrimas. Você não quer ver a minha infância. Solto nesse abismo onde só brilham as estrelas de papel no teto, desguardado do anjo com suas mornas asas abertas. Você não me ouve nem vê, e se ouvisse e visse não compreenderia quando eu abrir os braços para Ela e saudar, amável e desesperado como quem dá boas-vindas ao terror consentido: voragem, bem-vinda.
Voragem, vórtice, vertigem: ego. Farpas e trapos. Quero um solo de guitarra rasgando a madrugada. Te espero aqui onde estou, abismo, no centro do furacão. Em movimento, águas.
O Estado de S. Paulo, 4/2/1987

Texto extraído do livro Pequenas Epifanias

15 de maio de 2011

Carta Extraviada - Martha Medeiros

Não sei por onde começar esta carta que já nasce atrasada, pensamos sempre que temos muito a dizer mas as palavras são pouco amistosas, onde encontrá-las agora, às três e dez de uma madrugada em que me encontro insone e pensando mais uma vez em você?
Você esperou por estas palavras por muitos meses, na esperança de que elas alivirariam a dor do seu coração, mas elas não vieram porque estavam ocupadas vigiando meus impulsos, me impedindo de me abrir, e minha própria dor lhe pareceu desatenção, eu que não durmo de tanta paixão congestionada, de tanto desejo represado, de tão só que estou.
Meus motivos sempre lhe pareceram egoístas, e se eu lhe disser que o descaso aparente foi na verdade uma atitude consciente para preservar você, me chamará de altruísta e não sairemos do mesmo lugar.
Eu errei por não permitir que você me oferecesse seu afeto, eu errei ao sobrevalorizar um risco imaginário, eu errei por achar que existem amores menores e maiores, avaliados pelo tempo investido, pela contagem dos beijos, pelas ausências sentidas, por tudo isto fui conduzido a um erro de cálculo.
Não te peço nada além de compreensão, e esta carta nem era para pedir, era para doar, eu que sempre me achei bom nessas coisas, o voluntário da paz, o boa-gente oficial da minha turma.
Mas peço: lembre de mim como alguém que alcançou a mesma medida do seu sentimento, a mesma profundidade das suas dúvidas, o mesmo embaraço diante da novidade, o mesmo cansaço da luta, a mesma saudade.
A carta vem tarde e redigida com palavras covardes, as corajosas repousam pois se imaginam já ditas e escritas, valentes foram as palavras do início, as desbravadoras, as que ultrapassaram limites, quando nós dois ainda não sabíamos do que elas eram capazes, palavras audazes, febris.
Pela enormidade de tempo que temos pela frente em que não nos veremos mais, não nos tocaremos ou ouviremos a voz um do outro, pela quantidade de dias em que conduzirás tua vida longe de mim e eu de ti, pela imensidão da nossa descrença, pela perseverança da nossa solidão, pelos nãos todos que te falei, pelo pouco que houve de sim, acredita: te amei além do possível, não te amei menos que a mim.

13 de maio de 2011

O ventre seco - Raduan Nassar

1. Começo te dizendo que não tenho nada contra manipular, assim como não tenho nada contra ser manipulado; ser instrumento da vontade de terceiros é condição da existência, ninguém escapa a isso, e acho que as coisas, quando se passam desse jeito, se passam como não poderiam deixar de passar (a falta de recato não é minha, é da vida). Mas te advirto, Paula: a partir de agora, não conte mais comigo como tua ferramenta.

2. Você me deu muitas coisas, me cumulou de atenções (excedendo-se, por sinal), me ofereceu presentes, me entregou perdulariamente o teu corpo, tentou me arrastar pra lugares a que acabei não indo, e, não fosse minha feroz resistência, até pessoas das tuas relações você teria dividido comigo. Não quero discutir os motivos da tua generosidade, me limito a um formal agradecimento, recusando contudo, a todo risco, te fazer a credora que pode ainda chegar e me cobrar: "você não tem o direito de fazer isso". Fazer isso ou aquilo é problema meu, e não te devo explicações.

3. Nem foi preciso fazer um voto de pobreza, mas fiz há muito o voto de ignorância, e hoje, beirando os quarenta, estou fazendo também o meu voto de castidade. Você tem razão, Paula: não chego sequer a conservador, sou simplesmente um obscurantista. Mas deixe este obscurantista em paz, afinal, ele nunca se preocupou em fazer proselitismo.

4. E já que falo em proselitismo, devo te dizer também que não tenho nada contra esse feixe de reivindicações que você carrega, a tua questão feminista, essa outra do divórcio, e mais aquela do aborto, essas questões todas que "estão varrendo as bestas do caminho". E quando digo que não tenho nada contra, entenda bem, Paula, quero dizer simplesmente que não tenho nada a ver com tudo isso. Quer saber mais? Acho graça no ruído de jovens como você. Que tanto falam em liberdade? É preciso saber ouvir os gemidos da juventude: em geral, vocês reclamam é pela ausência de uma autoridade forte, mas eu, que nada tenho a impor, entenda isso, Paula, decididamente não quero te governar.

5. Sem suspeitar da tua precária superioridade, mais de uma vez você me atirou um desdenhoso "velho" na cara. Nunca te disse, te digo porém agora: me causa enjôo a juventude, me causa muito enjôo a tua juventude, será que preciso fazer um trejeito com a boca pra te dar a idéia clara do que estou dizendo? É bastante tranqüilo este depoimento, é sossegado, ao fazê-lo, me acredite, Paula, não me doem os cotovelos. Está muito certa aquela tua amiga frenética quando te diz que sou "incapaz de curtir gentes maravilhosas". Sou incapaz mesmo, não gosto de "gentes maravilhosas", não gosto de gente, para abreviar minhas preferências.

6. Você me levava a supor às vezes que o amor em nossos dias, a exemplo do bom senso em outros tempos, é a coisa mais bem dividida deste mundo. Aliás, só mesmo uma perfeita distribuição de afeto poderia explicar o arroubo corriqueiro a que todos se entregam com a simples menção deste sentimento. Um tanto constrangido por turvar a transparência dessa água, há muito que queria te dizer: vá que seja inquestionável, mas tenho todas as medidas cheias dos teus frívolos elogios do amor.

7. Farto também estou das tuas idéias claras e distintas a respeito de muitas outras coisas, e é só pra contrabalançar tua lucidez que confesso aqui minha confusão, mas não conclua daí qualquer sugestão de equilíbrio, menos ainda que eu esteja traindo uma suposta fé na "ordem", afinal, vai longe o tempo em que eu mesmo acreditava no propalado arranjo universal (que uns colocam no começo da história, e outros, como você, colocam no fim dela), e hoje, se ponho o olho fora da janela, além do incontido arroto, ainda fico espantado com este mundo simulado que não perde essa mania de fingir que está de pé.

8. Você pode continuar falando em nome da razão, Paula, embora até o obscurantista, que arranja (ironia!) essas idéias, saiba que a razão é muito mais humilde que certos racionalistas; você pode continuar carreando areia, pedra e tantas barras de ferro, Paula, embora qualquer criança também saiba que é sobre um chão movediço que você há de erguer teu edifício.

9. Pense uma vez sequer, Paula, na tua estranha atração por este "velho obscurantista", nos frêmitos roxos da tua carne, nessa tua obsessão pelo meu corpo, e, depois, nas prateleiras onde você arrumou com criterioso zelo todos os teus conceitos, encontre um lugar também para esta tua paixão, rejeitada na vida.

10. Sabe, Paula, ainda que sempre atenta à dobra mínima da minha língua, assim como ao movimento mais ínfimo do meu polegar, fazendo deste meu canto o ateliê do desenhista que ia no dia-a-dia emendando traço com traço, compondo, sem ser solicitada, o meu contorno, me mostrando no final o perfil de um moralista (que eu nunca soube se era agravo ou elogio), você deixou escapar a linha mestra que daria caráter ao teu rabisco. Estou falando de um risco tosco feito uma corda e que, embora invisível, é facilmente apreensível pelo lápis de alguns raros retratistas; estou falando da cicatriz sempre presente como estigma no rosto dos grandes indiferentes.

11. Não tente mais me contaminar com a tua febre, me inserir no teu contexto, me pregar tuas certezas, tuas convicções e outros remoinhos virulentos que te agitam a cabeça. Pouco se me dá, Paula, se mudam a mão de trânsito, as pedras do calçamento ou o nome da minha rua, afinal, já cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho, dou-lhe o meu silêncio.

12. No pardieiro que é este mundo, onde a sensibilidade, como de resto a consciência, não passa de uma insuspeitada degenerescência, certos espíritos só podiam mesmo se dar muito mal na vida; mas encontrei, Paula, esquivo, o meu abrigo: coração duro, homem maduro.

13. Não me telefone, não estacione mais o carro na porta do meu prédio, não mande terceiros me revelarem que você ainda existe, e nem tudo o mais que você faz de costume, pois recorrendo a esses expedientes você só consegue me aporrinhar. Versátil como você é, desempenhe mais este papel: o de mulher resignada que sai de vez do meu caminho.

14.. Entenda, Paula: estou cansado, estou muito cansado, Paula, estou muito, mas muito, mas muito cansado, Paula. (Teu baby-doll, teus chinelos, tua escova de dentes, e outros apetrechos da tua toalete, deixei tudo numa sacola lá embaixo, é só mandar alguém pegar na portaria com o zelador.)

15. Ainda: "a velha aí do lado", a quem você se referia também como "a carcaça ressabiada", "o pacote de ossos", "a semente senil" e outras expressões exuberantes que o teu talento verbal sempre é capaz de forjar mesmo para falar das coisas mirradas da vida, nunca te revelei, Paula, te revelo agora: "aquele ventre seco" é minha mãe, faz anos que vivemos em kitchenettes separadas, ainda que ao lado uma da outra. Não seja tola, Paula, não estou te recriminando nada, sempre assisti com indiferença aos arremedos que você fazia da "bruxa velha, preparando a poção pra envenenar nossas relações". Te digo mais: você talvez tivesse razão, é provável que ela vivesse a espreitar minha porta das sombras da escadaria, é provável que ela do fundo dos corredores te olhasse "de um jeito maligno", é provável ainda que ela, matreira dentro do seu cubículo, te alcançasse todas as vezes que você saía através do olho mágico da sua porta. Mas contenha, Paula, a tua gula: você que, além de liberada e praticada, é também versada nas ciências ocultas dos tempos modernos, não vá lambuzar apressadamente o dedo na consciência das coisas; não fiz a revelação como quem te serve à mesa, não é um convite fecundo a interpretações que te faço, nem minha vida está pedindo esse desperdício. Quero antes lembrar o que minha mãe te dizia quando você, ao cruzar com ela, e "só pra tirar um sarro", perguntava maliciosamente por mim, te sugerindo eu agora a mesma prudência, se acaso amanhã teus amigos quiserem saber a meu respeito. Você pode dispensar "a ridícula solenidade da velha", mas não dispense o seu irrepreensível comedimento, responda como ela invariavelmente te respondia: "não conheço esse senhor".


 Extraído de Menina a caminho.

11 de maio de 2011

Felicidade Clandestina - Clarice Lispector


Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia” e “saudade” .
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

10 de maio de 2011

PAIOL LITERÁRIO

O Paiol Literário está de volta!
E a programação está imperdível!
Inaugurando a temporada 2011, nada mais, nada menos, que João Ubaldo Ribeiro, nesta sexta-feira, dia 13-05, sempre as 20h. Entrada franca.

Demais encontros:
Bartolomeu Campos de Queirós - 7 de junho
Ana Paula Maia - 5 de julho
Márcio Souza - 9 de agosto
Ruy Castro - 5 de setembro
Ronaldo Correia de Brito - 23 de setembro, edição especial a ser realizada em Pernambuco, durante a Bienal do Livro do Recife
Nuno Ramos - 17 de outubro
Martha Medeiros - 8 de novembro

Vale a pena!

Fonte: Jornal Rascunho.

9 de maio de 2011

Alcóolicas - Hilda Hilst (Trecho original com rasuras e anotações)





Retirado de: http://www.hildahilst.com.br

2 de março - Caio Fernando Abreu

Chorar por tudo aquilo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas as tentativas de aproximação. Tenho vontade de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.

Extraído do livro Ovelhas Negras.

4 de maio de 2011

Antiode (Contra a poesia dita profunda) - João Cabral de Melo Neto

A

Poesia te escrevia:
flor! conhecendo
que és fezes. Fezes
como qualquer.


gerando cogumelos
(raros, fragéis, cogu-
melos) no úmido
calor de nossa boca.


Delicado, escrevia:
flor! (Cogumelos
serão flor? Espécie
estranha, espécie


extinta de flor, flor
não de todo flor,
mas flor, bolha
aberta no maduro)


Delicado, evitava
o estrume do poema,
seu caule, seu ovário,
suas intestinações.


Esperava as puras,
transparentes florações,
nascidas do ar, no ar,
como as brisas.

B


Depois, eu descobriria
que era lícito
te chamar: flor!
(Pelas vossas iguais


circunstâncias? Vossas
gentis substâncias? Vossas
doces carnações? Pelos
virtuosos vergéis

de vossas evocações?
Pelo pudor do verso
 
- pudor de flor -
por seu tão delicado

pudor de flor,
que só se abre
quando a esquece o
sono do jardineiro?)


Depois eu descobriria
que era lícito
te chamar: flor!
(flor, imagem de


duas pontas, como
uma corda). Depois
eu descobriria
as duas pontas da flor:


as duas
bocas da imagem
da flor: a boca
que come o defunto


e a boca que orna
o defunto com outro
defunto, com flores,
- cristais de vômito.


C


Como não invocar o
vício da poesia: o
corpo que entorpece
ao ar de versos?


(Ao ar de águas
mortas, injetando
na carne do dia
a infecção da noite).


Fome de vida? Fome
de morte, frequentação
da morte, como de
algum cinema.


O dia? Árido.
Venha, então, a noite,
o sono. Venha,
por isso, a flor.


Venha, mais fácil e
portátil na memória,
o poema, flor no
colête da lembrança.


Como não invocar,
sobretudo, o exercício
do poema, sua prática,
sua lânguida horti-cultura?


Pois estações
há, do poema, como
da flor, ou como
no amor dos cães;


e mil mornos
enxertos, mil maneiras
de excitar negros
êxtases, e a morna


espera de que se
apodreça em poema,
prévia exalação
de alma defunta.


D


Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:


flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-virtude - em
disfarçados urinóis).


Flor é a palavra
flor, verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.


Flor é o salto
da ave para o vôo;
o salto fora do sono
quando seu tecido


se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.


E


Poesia, te escrevo
agora: fezes, as
fezes vivas que és.
Sei que outras


palavras és, palavras
impossíveis de poema.
Te escrevo, por isso,
fezes, palavra leve,


contando com sua
breve. Te escrevo
cuspe, cuspe, não
mais; tão cuspe


como a terceira
(como usá-la num
poema?) a terceira
das virtudes teologais.

3 de maio de 2011

Famigerado - Guimarães Rosa

Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.

Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.

Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, constrangidos coagidos, sim. Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não dispunham de rápida mobilidade. Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava. Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.

Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu. Via-se que passara a descansar na sela — decerto relaxava o corpo para dar-se mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a fala de gente de mais longe, talvez são-franciscano. Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma. Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:
"Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada..."

Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.
— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra..."

Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! Continuava:
— "Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço do Governo, rapaz meio estrondoso... Saiba que estou com ele à revelia... Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade... O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado..."
Com arranco, calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso. Redigiu seu monologar.

O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, inseqüentes, como dificultação. A conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava: E, pá:
— "Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?

Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?
— "Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro..."

Se sério, se era. Transiu-se-me.

— "Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?"

Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes:
Famigerado?
— "Sim senhor..." — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. 
Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:
— "Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho..."
Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.
Famigerado é inóxio, é "célebre", "notório", "notável"...
— "Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?"
— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...
— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"
Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...
 — "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"

Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:
— Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!...
— "Ah, bem!..." — soltou, exultante.

Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três: — "Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição..." — e eles prestes se partiram. Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse: — "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" Seja que de novo, por um mero, se torvava? Disse: — "Sei lá, às vezes o melhor mesmo, pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..." Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse: — "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..." Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto.

2 de maio de 2011

Exercícios de imaginação - O prêmio Nobel de Literatura no centro de uma discussão que se arrasta há muito tempo

Texto publicado no jornal Rascunho, edição 133 - Curitiba, maio de 2011.

1. Por que o Brasil ainda não levou o Nobel de Literatura?

Ademir Assunção: Porque o Brasil é um país distante dos países nórdicos, é habitado por chimpanzés e, ainda por cima, seus escritores escrevem em português.  Adrienne Myrtes: Porque Marcelino Freire ainda não foi traduzido na Suécia. Aleilton Fonseca: Porque os jurados suecos não sabem ler em português (risos). Seriamente: porque nossos autores não escrevem sobre temas de nítido interesse mundial. Branca Maria de Paula: Politicamente, é mais fácil ler chinês do que português. Machado de Assis, Rose e Clarice: tupiniquins demais? Quando o Nobel enfim acontece, atraca na Metrópole, claro. Carlos Felipe Moises: Porque Drummond, Vinicius, Cecília, Rosa, Osman Lins, João Cabral e outros nunca tiveram o apoio de um lobby político internacional. Edson Cruz: Tem a ver com a língua, com a recepção, com a ausência de uma política cultural externa em nível governamental, com as não-traduções patrocinadas para outras línguas. O resto nós temos. Evandro Affonso Ferreira: O Brasil é fraquinho nesse departamento de política nobelística. Guimarães Rosa merecia ter ganhado. Fernando Marques: O Nobel também premia escritores de países emergentes ou pobres, mas só quando já avalizados por editores europeus ou americanos. Vamos lá? Guilherme Kujawski: Porque ainda não apareceu nenhum escritor bombástico. Lima Trindade: Porque se um escritor brasileiro ganhasse, haveria um número alarmante de haraquiris nas Letras Nacionais. Luis Dill: Porque nossos grandes autores ainda não receberam mais e melhores traduções. Luiz Roberto Guedes: Porque o grande país de Minas Gerais, por si só, não tinha força política pra fazer lobby em favor de Rosa ou Drummond. E o Brasilzão brucutu estava mais ocupado, naquela altura, em preparar a revolução conservadora e censurar o cinema, o teatro, o livro, a música popular. Só restava ao sambista cantar: "Vai, meu irmão, pega esse avião". Maria José Silveira: Porque não tem o apelo da grande miséria e dos conflitos extremos, nem o lobby da grande riqueza. Além disso, escrevemos em português. Mayrant Gallo: Jamais um autor brasileiro ganhou o Nobel de Literatura por dois motivos: 1) a barreira da língua (o português, como o húngaro, parece um idioma condenado a um nicho de obscuridade) e, assim, 2) nossos autores acabam restritos a sua comunidade lusófona. Menalton Braff: O português é uma língua sem poder econômico, político, militar ou cultural. Não tem prestígio internacional. Reynaldo Damazio: Talvez falte tradição histórica ao país para competir, já que os critérios são políticos, mas Guimarães Rosa e Drummond mereciam ter ganhado o prêmio. Rinaldo de Fernandes: Porque o português é uma língua periférica. E o português brasileiro ainda mais. Roniwalter Jatobá: Falta um escritor com obra razoável, que tenha projeção internacional. Os membros da Academia Sueca, naturalmente suecos, não lêem português. Tibor Moricz: Prêmio Nobel de Literatura? Um autor brasileiro? Se nem nos descobrimos ainda, como podemos querer que nos descubram? Ora, faça-me o favor! Tony Monti: Prêmios não fazem justiça, não há um critério literário absoluto. Poderia ter ganhado, não ganhou. Não considero esta uma questão importante. Reconheço que ganhar um Nobel poderia melhorar o tratamento dado à literatura no Brasil, poderia chamar a atenção para ela. Mas desconfio que, sem retirarmos o prêmio da lógica do espetáculo, da competição, do jogo, o prêmio não faria a literatura tornar-se hábito de muito mais gente. Walther Moreira Santos: Por que outro país deveria levar a sério a literatura brasileira quando o próprio Brasil não o faz? Whisner Fraga: Azar, falta de interesse político e estratégias econômicas ingênuas.

2. Qual autor brasileiro merece estar na lista de indicações ao prêmio de 2011, e por quê?

Ademir Assunção:  Eu. Por quê? Ora, com um milhão e duzentos mil euros eu viveria o resto da minha vida dedicado exclusivamente à literatura. Adrienne Myrtes: Marcelino Freire. O texto dele é dinamite pura, e também porque assim se contemplaria duas categorias, já que ele é quase uma Madre Tereza de Calcutá. Aleilton Fonseca: Nenhum, pois não escrevem para o mundo, mas só para uns cem leitores brasileiros. Mas, se os jurados suecos entendessem o nosso português, João Ubaldo Ribeiro seria o favorito. Branca Maria de Paula: Agora que o Brasil nasceu pro mundo, espero que levem em conta também nossa literatura. Aposto no Chico Buarque e na Nélida Piñon, pois ambos têm estofo e circulam lá fora. Carlos Felipe Moises: Lygia Fagundes Teles, Manoel de Barros, Ferreira Gullar e outros, porque são muito melhores do que, por exemplo, o Saramago. Edson Cruz: Augusto de Campos. Por seu trabalho poético. Por suas cintilantes traduções. Por seu ensaísmo iluminador. Pelo movimento internacional da Poesia Concreta. Por seus erros de avaliação. Evandro Affonso Ferreira: Autran Dourado, pelo conjunto da obra. Fernando Marques: Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Ferreira Gullar. Os dos primeiros, por alguns dos melhores contos do idioma. Gullar, pelos poemas e ensaios. Guilherme Kujawski: Luiz Bras, por ser o maior representante brasileiro do realismo especulativo. Lima Trindade: Chico Buarque. Tem prestígio internacional, é político e sua extensa obra enche estantes e mais estantes de troféus. Mas se fosse à vera, Ferreira Gullar. Ou Ubaldo. Ou Márcio Souza. E se fosse à vera veríssima, sem politiquês, João Silvério Trevisan. Ou Rubem Fonseca. Ou João Gilberto Noll. Luis Dill: Luiz Ruffato. Pela excelência literária, pela renovação das estruturas narrativas e pela temática abordada em seus romances. Luiz Roberto Guedes: Marçal Aquino me disse uma vez que José J. Veiga merecia um Nobel. Concordo. Jota Jota Veiga tinha fôlego universalista. No presente, um candidato que se impõe é o Ferreira Gullar, por sua obra, trajetória, idade e bela cabeleira prateada. Também acho que ainda está em tempo de nobelizar Oscar Niemeyer. Mas como o Instituto Karolinska gosta de surpreender o público, talvez concedesse o Nobel a Caetano Veloso ou a Paulo Coelho, pelo conjunto da obra. Maria José Silveira: Se contasse autores mortos merecedores, teríamos um pequeno cemitério cheio. Já de autores vivos, perdão, me deu um branco... Mayrant Gallo: O escritor gaúcho Sérgio Faraco, pelos belos e fortes contos que escreveu ao longo de uma sólida carreira literária, que inclui também excelentes ensaios, merece figurar entre os candidatos ao Nobel de Literatura de 2011. Menalton Braff: Manoel de Barros. Pela inventividade de sua poesia, que brota como erva, em toda parte, como a vida. Reynaldo Damazio: Hoje votaria sem titubear em Raduan Nassar (prosa) e Augusto de Campos (poesia), por serem reinventores críticos da língua e da imaginação. Rinaldo de Fernandes: Ronaldo Correia de Brito. Porque seu estilo literário, a sua frase, o emprego preciso das palavras têm um sentido de permanência extraordinário. Roniwalter Jatobá: Três, mas infelizmente fora do páreo porque já estão mortos: Machado de Assis, Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. Tibor Moricz: De que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra, outra realidade menor morta, tanta mentira, tanta... Chico Buarque. Esse não é o país da piada pronta? Tony Monti: Se o critério para merecer o Nobel for uma obra vultosa e significativa, acho que o Ferreira Gullar poderia ser um candidato. Walther Moreira Santos: Se ainda estivesse vivo, Moacir Scliar merecia figurar na lista de 2011, pelo caráter universal dos seus contos absolutamente impecáveis. Whisner Fraga: Paulo Coelho, por ser o escritor brasileiro de maior sucesso no exterior, o que mais vendeu e aquele cuja obra mais divide opiniões.