18 de maio de 2011

Paiol Literário: JOÃO UBALDO RIBEIRO



Na última sexta-feira, dia 13, teve início no Teatro Paiol a sexta edição do projeto Paiol Literário.  Contando com a presença de escritores dos mais diversos tipos, o projeto já entrevistou mais de 43 escritores.
O baiano João Ubaldo Ribeiro foi o autor escolhido para inaugurar a nova edição.
Casa cheia, fãs, admiradores e leitores assíduos de sua obra. O espetáculo não podia ser melhor. As oito horas em ponto, surge João Ubaldo e acomoda-se numa poltrona confortável, coloca seu casaco de lã sobre a perna e abre um sorriso calmo. Suas primeiras palavras foram: boa noite. Ditas com uma voz grossa, à primeira vista, até assustadora.
É necessário que se abra um parêntese nesse momento: como leitora de suas crônicas, amante de seus livros e discreta fã, esperava encontrar naquela noite fria, um escritor como os outros, pelo menos ‘semelhante’. Sabe do que falo? Aqueles escritores cuja inspiração é quase divina. Aqueles escritores que têm a literatura como fuga, refúgio. Todo esse lirismo que, definitivamente, só existia na minha cabeça tola. Continuemos...
Entre perguntas sobre a importância da literatura e sua carreira de escritor, João Ubaldo se mostrava um homem com um senso de humor incomum, e com uma visão muito clara e crítica de tudo. Para ele, a literatura não deve ser vista como uma utilidade, pois é uma arte, e a arte não é uma utilidade. A literatura é uma importante forma de conhecimento e de maturação da língua.
Escritor consagrado e membro da Academia Brasileira de Letras, João Ubaldo Ribeiro alia simplicidade com uma escrita refinada, corretíssima e cuidadosa. Como leitora, percebo que ele cuida da língua portuguesa, escreve para ela. Parece-me também, que sua inteligência transcende a própria literatura e não cabe dentro dele. O homem emana inteligência, histórias e simplicidade.
Sobre seu início na literatura, contou que sua casa era uma biblioteca. Livros espalhados por todos os cômodos, sala, cozinha e até no banheiro. Desde cedo os livros o atraíram. Primeiramente, pelas gravuras e depois pelas histórias em si. Seu pai, também amante dos livros, não admitia que um filho com seis anos de idade não soubesse ler. Por isso, sempre lera de tudo, mesmo não entendendo absolutamente nada. Leu Hamlet, Dom Quixote e Monteiro Lobato.
O escritor arrancou risos da platéia ao dizer que é difícil aliar o trabalho de escritor com qualquer coisa. Pois escrever requer concentração, prática. Quando o autor entra no universo ficcional que criou, fica muito difícil sair de dentro dele. Hoje em dia, adota a técnica de alguns outros escritores, escrevendo tantas palavras por dia. Sua média de palavras fica em torno de 800. O melhor horário para essa produção é de manhã, quando acorda.
E, acredite se quiser, João Ubaldo disse ter a impressão de que ninguém o lê.
Quando questionado sobre o seu trabalho de escritor, disse que, quando está escrevendo, não pensa em nada. Sua única preocupação é ser claro, legível.
Auto-desprezo. Foi com essa palavra que o escritor definiu o povo brasileiro. Nosso povo tem intimidade com as histórias estrangeiras, escritores estrangeiros, mas brasileiros não. E isso, para ele, é não ter respeito por si próprio. Queremos ser americanos, queremos glamour! E essa ignorância é que contribui para o empobrecimento da língua. Seu pessimismo perante a humanidade é tamanho, que chega dizer que sempre fazemos as mesmas coisas, desde o tempo das cavernas. Por isso, no Brasil é tudo mais tardio, mais atrasado. João Ubaldo Ribeiro não tem fé na humanidade. Para ele, somos uma nação de analfabetos funcionais.
Além de escritor e tradutor, João Ubaldo é professor. Sobre isso, diz ter que fazer adaptações nas suas expectativas e tremendos esforços para poder aprovar algum aluno. A juventude perdeu sua voz, preserva-se a falta de fala.
Os jovens não lêem porque tem medo da leitura. Nas escolas, em vez de ensinar a ler, os professores ensinam a ter medo de ler. Os alunos lêem sob a tensão a de responder questões e escrever resumos após a leitura. Para João Ubaldo, o grande obstáculo na leitura dos clássicos da literatura, é justamente a apresentação desses clássicos como clássicos, difíceis, subjetivos. Ler é chato, dá trabalho. Mas as pessoas não vêem que a literatura é muito mais que isso, que o livro só fornece palavras, é o leitor quem age sobre ele. E essa é a grande beleza da literatura.
Alguns de seus livros foram adotados para vestibulares e, ao ler as questões sobre as obras, ele próprio não conseguiu responder...
Sobre as adaptações cinematográficas de algumas de suas obras, João Ubaldo disse que aceitou o convite apenas porque era feito por amigos. Nada do que está na tela é dele, não reconhece sua obra no filme.
Mesmo sendo um escritor consagrado, premiado e sim, muito lido, João Ubaldo afirma não ter uma intenção messiânica com sua literatura. Mas, afirma que, se as pessoas lessem mais, teríamos um país de gente mais sensível, de visão mais ampla, de mente aberta. Mas, não há uma motivação para que isso aconteça. Ninguém ganha prêmio por ler! Que ironia...
O encontro com João Ubaldo Ribeiro acabou entre aplausos e súplicas de quero mais. O que vi e ouvi, me fez repensar a maneira como vejo a literatura e o escritor em si. Foi como se João Ubaldo tivesse dito no meu ouvido: “Ana Paula, somos normais, como você.” E o mais bonito nisso tudo, foi a sensação de que sim, a literatura é a pura realidade (se é que existe uma) e que o escritor é tão real quanto suas palavras.
João Ubaldo Ribeiro é tão pungente, impressionante, tão visceral, que, voltando para casa após o encontro, não conseguia parar de pensar em suas palavras, no seu humor, ironia e naquela paciência tão típica dos baianos.
É um escritor, mas acima de tudo, um ser humano normal, simples na sua realeza. Um senhor, com seu casaco de lã sempre a postos, uma audição já não tão jovem quanto seu humor, e pés gelados sem meias, dentro de um sapato marrom claro. Lúcido, lúcido. Uma visão lúcida do mundo, da sua escrita, de si próprio. Uma lucidez encantadora.
Se tivéssemos a oportunidade de conhecer cada escritor que admiramos, certamente alguns conceitos e tabus seriam quebrados. Mas o amor pela literatura e pelas histórias é imutável.

“Os livros eram uma brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de criança vendo tanto que entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, de meu pai, de meus avós, do velho casarão mágico de Aracaju.” (João Ubaldo Ribeiro in Memória de Livros, crônica extraída do livro Um brasileiro em Berlim)

Nenhum comentário:

Postar um comentário