4 de julho de 2011

Literatura das ruas - Sérgio Vaz

A literatura é dama triste que atravessa a rua sem olhar para os pedintes, famintos por conhecimento, que se amontoam nas calçadas frias da senzala moderna chamada periferia. Frequenta os casarões, bibliotecas inacessíveis ao olho nu e prateleiras de livrarias que crianças não alcançam com os pés descalços.


Dentro do livro ou sob o cárcere do privilégio, ela se deita com Victor Hugo, mas não com os Miseráveis. Beija a boca de Dante, mas não desce até o Inferno. Faz sexo com Cervantes e ri da cara do Quixote. É triste, mas A rosa do povo não floresce no jardim plantado por Drummond.
Quanto a nós, Capitães da areia e amados por Jorge, não restou outra alternativa a não ser criar o nosso próprio espaço para a morada da poesia. Assim nasceu o sarau da Cooperifa.
Nasceu da mesma Emergência de Mario Quintana e antes que todos fossem embora pra Pasárgada, transformamos o boteco do Zé Batidão num grande centro cultural.
Agora, todas às quartas-feiras, guerreiros e guerreiras de todos os lados e de todas as quebradas vêm comungar o pão da sabedoria, que é repartido em partes iguais, entre velhos e novos poetas, sob a benção da comunidade.
Professores, metalúrgicos, donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados, mecânicos, estudantes, jornalistas, advogados, entre outros, exercem a sua cidadania através da poesia.
Muita gente que nunca havia lido um livro, nunca tinha assistido a uma peça de teatro, ou que nunca tinha feito um poema, começou, a partir desse instante, a se interessar por arte e cultura.
O sarau da Cooperifa é nosso quilombo cultural.
A bússola que guia a nossa nau pela selva escura da mediocridade.
Somos o grito de um povo que se recusa a andar de cabeça baixa e se prostrar de joelhos.
Somos O poema sujo de Ferreira Gullar.
Somos o Rastilho da pólvora.
Somos Um punhado de ossos de Ivan Junqueira. Tecendo a manhã de João Cabral de Melo Neto.
Neste instante, neste país cheio de Machados se achando serra elétrica, nós somos a poesia: essa árvore de raízes profundas regada com a água que o povo lava o rosto depois do trabalho.

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