Parafraseando Rita Lee, e
para não ficar grosseiro, digo: tudo virou bullyng!
Bullyng é um termo
americano que se refere às atitudes agressivas e preconceituosas, verbais ou
não, cujo objetivo é ofender, menosprezar e agredir pessoas sem possibilidade
de defesa.
Recentemente, saiu no
jornal uma matéria sobre o possível preconceito nos significados da palavra
cigano apresentados no dicionário Houaiss. A matéria, publicada na Folha de São
Paulo, informa os termos considerados pela Procuradoria como preconceituosos:
“aquele que faz barganha”, “esperto ao negociar”, “apegado ao dinheiro, agiota,
sovina”.
Mas vamos ser honestos,
porque esses significados estão no dicionário? Não seria porque alguém os
atribuiu? Então não acredito que a solução – se é que existe uma solução – seja
culpar o dicionário. A culpa é do povo, é minha, é sua, é nossa. O preconceito
não está nos termos apresentados pelo dicionário, e sim na maneira como
utilizamos esses termos e na história que originou esses significados.
Quando penso em ciganos,
muitos significados e imagens surgem na minha mente. Primeiramente, penso na
dança sensual, nos vestidos floridos e das flores vermelhas nos cabelos; penso
na música ritmada e nas mãos ao alto, batendo palmas; penso no sapateado dos
homens e nos dentes de ouro, que, em algum momento da história, tiveram um
significado belo e vitorioso. Além disso, lembro da minha infância, onde me foi
incutido o medo dos ciganos e suas leituras de mãos, fantasias e outras coisas
do além ligadas à sua figura, desde os tempos mais remotos.
É claro que esse texto não
tem a intenção de discorrer sobre história cigana, muito menos defender uma
cultura da qual pouco conheço. Mas julgo necessário basear minhas considerações
sobre esse caso na história desse povo, que, injustamente, sofreu e ainda sofre
preconceito e discriminação por conta de seus hábitos e modo de viver.
O preconceito ao qual se
refere a Procuradoria de MG, faz parte da história dos ciganos desde o começo dos
anos 40, onde deu-se início às perseguições ao povo cigano pelos alemães.
Castigados pelos costumes e hábitos que seguiam, as perseguições aos ciganos
tornaram-se frequentes e disseminou-se pelo mundo o preconceito, o medo e a
ignorância perante eles.
A origem desse preconceito
está relacionada, possivelmente, com as profissões exercidas pelos ciganos, que
são divididas, basicamente, em três: cantores e dançarinos (diversão),
adivinhos e cartomantes (morte e fantasia) e ferreiros (sujeira, podridão). Em
torno dessas profissões, lendas e mitos foram criadas, relacionando os ciganos
com bruxaria, morte e outros termos como ladrão, enganador, vendedor de
“muambas”, mentiroso, etc.
Atualmente, a população de
origem cigana está presente em todo o mundo. Algumas tribos ainda mantêm os
mesmos costumes, presentes no modo de vestir, falar, nas comemorações, e nos
acampamentos, onde firmam morada por alguns meses, até partir para outro lugar.
Outros ciganos vivem da leitura de mãos, cartas e também da venda de utensílios
domésticos e acessórios. Ambos, porém, perderam traços característicos de sua
cultura. E, em grande parte, isso ocorreu por conta do preconceito que sofreram
e sofrem.
Depois desse esboço
histórico, voltemos ao dicionário. E refaço a pergunta do início desse texto:
porque esses significados estão no dicionário? Ora bolas, porque fazem parte do
vocabulário do povo, são utilizados por nós quando nos referimos aos ciganos, e
são, na maioria das vezes, fruto da ignorância e da falta de respeito diante do
diferente, do estranho, do incomum.
Então meus caros, não
culpemos o Houaiss, que não é dono do mundo, não dita regras e não rege
pensamentos e muito menos ações humanas. É apenas um dicionário, que cumpre seu papel de apresentar os diversos
significados das palavras.
Sugiro, então, que paremos
de procurar piolho em cabeça de prego, e foquemos no que realmente importa: o
respeito e a aceitação do outro, do diferente. É como escreve Sírio Possenti
sobre o caso: “Circulam estereótipos de corintianos,
de argentinos, de ingleses, de portugueses. E de ciganos. Que podem ou devem
ser combatidos, mas nas arenas adequadas. A censura a um dicionário certamente
não é uma delas, dada a natureza da obra.”
Atualmente, vivemos uma
fase onde tudo é considerado ofensivo e desrespeitoso, é tudo bullyng! E
trabalha-se em cima disso; ao invés de conscientização com foco no respeito ao
próximo e interesse pelas diferentes culturas, as escolas trabalham com
exemplos medonhos do que consideram bullyng; as mídias investem em programas e
matérias sensacionalistas sobre o assunto; os psicológicos e psiquiatras lucram
com o trauma resultante do bullyng; as editoras lançam livros ensinando os pais
a ensinarem seus filhos formas de se defender do bullyng; e as pessoas pensam
mais antes de falar. E o governo? Ameaça proibir o uso de obras literárias de
extrema importância nas escolas; proíbe o uso de livros didáticos que
apresentam, além da norma culta, as diferentes variantes da língua; ameaça a
integridade do dicionário, ferramenta de conhecimento e trabalho, que está
simplesmente cumprindo seu papel de dicionário...!
E por ser mais frágil e
facilmente resolúvel, e como a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e - no
caso - mais viável (e fácil), ainda leremos algumas bobagens do tipo: “O
Ministério Público Federal recomendou às editoras que mudassem o verbete” (UOL)
e, graças ao bom senso, leremos respostas do tipo "Fazê-lo seria varrer
para debaixo do tapete o que nos envergonha, mas isso não serve de ação
preventiva nem eliminadora do mal." (Instituto Antônio Houaiss). Então,
fim de papo: o Houaiss permanece! Abaixo a censura, o preconceito e a
ignorância!
http://jovempan.uol.com.br/noticias/brasil/2012/02/cigano-polemica-pode-afetar-dicionario-houaiss.html
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1054519-procuradoria-ve-preconceito-em-termo-usado-no-dicionario-houaiss.shtml
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5652820-EI8425,00-Limpar+livros+Nota+sobre+dicionarios.html