4 de janeiro de 2011

"Desde verdes anos, tentaram-me o eclipse e a economia dos esquemas. Exímio dos mais hábeis nos manejos de ausências, busquei apoio nos últimos redutos do zero. Foi a época em que eu mais prestigiei o silêncio, o jejum e o não. Você sabe com quem está falando? Cultivei meu ser, fiz-me pouco a pouco, constituí-me. Letras me nutriram desde a infância, mamei nos compêndios e me abeberei das noções das nações. Compulsei índices e consultei episódios. Olho noturno e diurno, palmilhei as letras em estradas: tropecei nas vírgulas, caí no abismo das reticências, jazi nos cárceres dos parênteses, o florete das exclamações me transpassou, enchi de calos a mão fidalga torcendo páginas. Em decifrar enigmas, fui Édipo; em rolar cogitações, Sísifo; em multiplicar folhas pelo ar, Outono. Lanterna à mão, bati a porta dos volumes mendigando-lhes o senso. E na noite escura das bibliotecas iluminava-me o céu a luz dos asteriscos. Matei um a um os bichos da Bíblia."

Leminski.

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